Diante da repercussão negativa da gestão ambiental do Brasil no exterior e das consequências econômicas, principalmente para o agronegócio, o Congresso Nacional movimenta-se para sinalizar que, a despeito dos erros do governo, o país tem interesse em investir em uma abordagem mais verde.
A tentativa, no entanto, é apenas parte da solução, alertam os próprios parlamentares. A reversão do quadro só será possível a partir do envolvimento de outros atores, incluindo os governos federal e estaduais e ainda o Poder Judiciário.
De um lado, integrantes das bancadas ruralista e ambientalista entenderam o recado internacional e uniram-se em um grupo de trabalho, por determinação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para elencar e votar as propostas de consenso entre as duas bancadas.
Cortes em financiamentos de outros países para a proteção ambiental da Amazônia e boicotes a produtos brasileiros em redes de supermercado estrangeiras, além de críticas de personalidades sobre o aumento de queimadas e desmatamentos no Brasil, serviram como um empurrão à abertura do diálogo.
Ao mesmo tempo, parlamentares trabalham como pontes entre o Executivo, mais precisamente o vice-presidente Hamilton Mourão, que comanda o Conselho da Amazônia, e ONGs.
E, em outra frente, atuam por uma abordagem legislativa que leve em conta a proteção do meio ambiente nos principais temas em debate, caso da reforma tributária.
Dados preliminares do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontaram que o desmatamento na floresta amazônica subiu 34,5% no acumulado em 12 meses, apesar da queda em julho, enquanto o número de focos de incêndios aumentou 28% no mês em relação a um ano atrás.
“Os parlamentares da Frente Ambientalista no Congresso e setores mais abertos da bancada ruralista, com apoio dos presidentes das duas Casas, estão num esforço para reverter a péssima imagem do país criada pelo atual governo em relação ao meio ambiente, principalmente em relação à destruição da floresta amazônica”, disse a líder do Cidadania no Senado, Eliziane Gama (Cidadania-MA).
A senadora, que coordena a frente ambiental na Casa, cita mobilização de parlamentares pela derrubada de vetos a projeto com medidas de proteção e prevenção a indígenas e quilombolas durante a pandemia e diz ter uma “expectativa positiva”.
Presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara e coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional, o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP) comanda o grupo de trabalho formado entre a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e a Frente Parlamentar Ambientalista.
Ele assumiu a tarefa de levar à bancada agro uma lista inicial de projetos, que deve ter como prioridade as propostas que coíbem o desmatamento e a grilagem de terras, o que passa por aumento de penas a desmatadores e pela regularização fundiária. Também interessa, diz o parlamentar, a criação de um mercado de carbono no Brasil.
“Preparei uma primeira lista a pedido do presidente Maia. Agora a ideia é debater tanto com a indústria quanto com a agricultura essas propostas importantes para o setor”, disse Agostinho à Reuters.
O deputado lembra que o rol de medidas é extenso, mas diz que há um entendimento, reforçado por Maia, de só levar a plenário aquelas em que houver acordo entre os principais envolvidos.
“Esses projetos sozinhos não vão resolver o problema, mas podem ajudar. Acho que é uma parcela boa de ajuda que o Poder Legislativo pode dar nessa luta”, afirmou, acrescentando que há consenso, por exemplo, quanto à necessidade de reduzir a impunidade em crimes ambientais.
“Não é fácil, não é simples, é desafiador. Mas acho que a gente tem grandes chances de poder avançar, não tudo neste ano, mas a gente precisa mandar o recado que o desmatamento ilegal precisa parar”, avaliou.
“GREEN NEW DEAL”
Integrante do grupo de deputados e ex-coordenador da frente ambientalista, Alessandro Molon (PSB-RJ) já apresentou uma proposta como primeiro passo para o que chama de “green new deal” brasileiro.
Segundo Molon, o texto, que conta com o apoio dos representantes do setor rural e tem chances de ser votado até setembro, declara emergência climática no país, entre outras medidas.
“Se não fizermos nada, o prejuízo será enorme para o país. É por isso que estou trabalhando nessa proposta de um ‘green new deal’, esse é o nome que vem recebendo no mundo todo, é um movimento mundial no qual o Brasil tem tudo para estar na vanguarda”, disse Molon à Reuters.
“Agora, para dar certo, nós temos que fazer a nossa parte: formular uma transição para uma economia verde e implementá-la.”
A proposta seria um primeiro passo, uma sinalização de comprometimento do Parlamento, explica o deputado, que defende a transição para uma indústria sustentável.
“Já que o governo não fez isso, que o Parlamento faça”, defendeu, acrescentando que o Executivo “invevitavelmente” está aprendendo a lição, a duras penas.
“A própria base do governo está mostrando o seguinte: ‘ó, você está prejudicando os nossos negócios’. Isso traz prejuízos concretos para a própria economia do setor agropecuário”, disse.
Mesmo o vice-presidente Mourão admitiu que os investidores irão voltar a colocar recursos no Brasil quando o país mostrar resultados positivos na área ambiental. “A partir do momento que apresentarmos resultados positivos eu tenho a visão de que todo mundo vai voltar a investir bem no Brasil”, disse no mês passado.
MULETA E TERCEIRO SETOR
Num cenário de dúvidas sobre a credibilidade do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para tocar a pauta do setor, o relator de polêmica proposta que trata da regularização fundiária, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), atua para facilitar a interlocução com o Executivo e servir de ponte para o diálogo com ONGs ambientais.
O deputado esteve com o vice-presidente na última semana, ocasião em que Mourão se comprometeu a marcar uma reunião, ainda sem data, do Conselho da Amazônia com as entidades do terceiro setor, um “sinal bastante significativo para investidores nacionais e internacionais”, avaliou Ramos.
“Argumentei com o vice-presidente Mourão que o Brasil não tem dinheiro para colocar no lugar do Fundo Amazônia, e não tem governança para colocar no lugar da governança das entidades do terceiro setor”, disse, classificando como necessário o resgate da confiança de países como Alemanha e Noruega para a liberação de recursos do Fundo Amazônia.
Já Agostinho, ao comentar o papel desempenhado recentemente por Mourão na discussão ambiental, ressaltou que o vice-presidente assumiu o posto, mas não controla os órgãos da área.
“O ministro do Meio Ambiente está usando o vice-presidente de muleta, está jogando tudo nas costas dele, quando na verdade vários órgãos e estruturas ambientais como o Ibama e o ICMbio estão justamente sob responsabilidade do próprio ministro”, disse o coordenador da frente ambiental.
Em outro flanco, Ramos articula para que a reforma tributária, retomada no Congresso, leve em conta o aspecto ambiental. Para ele, a reformulação precisa estimular a conservação da floresta amazônica e o desenvolvimento socioambiental da região. Também deve levar em conta a importância da Zona Franca de Manaus e o potencial da indústria de biotecnologia, dos produtos da floresta e do desenvolvimento de software.
E aproveita para defender a proposta da regularização fundiária que, garante, evita desmatamentos ilegais. O deputado lembra que seu parecer é bem mais restritivo do que texto da medida provisória e lamenta que tenha prevalecido a imagem negativa passada pela MP.
Agostinho, para quem não é o momento para votação desse projeto apesar de reconhecer as melhoras na proposta de Ramos, pede um engajamento efetivo dos governos federal e estaduais e do Judiciário para coibir desmatamento ilegal e reduzir a impunidade.
“Nós precisamos que os governadores tomem vergonha na cara, eles não estão fazendo o seu papel. Eles têm uma atribuição importantíssima no combate do desmatamento na Amazônia, mas eles estão tolerando de maneira muito clara tudo isso que está acontecendo”, apontou.
“O Congresso está agindo numa perspectiva de poder liderar e ajudar nesse combate, notadamente preenchendo lacunas que temos na legislação ambiental, mas por si só não vai resolver.”
Fonte: Reuters
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