Porto Velho, RO - A Comissão de Anistia, responsável por investigar perseguições durante a ditatura militar no Brasil, realiza nesta quinta-feira (30) a primeira sessão de julgamento com a nova composição, indicada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A reunião ocorre às vésperas dos 59 anos do início do regime militar, que começou em 1º de abril de 1964.
Nesta quinta, o colegiado revisa processos indeferidos por governos anteriores, principalmente na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) (veja casos abaixo). De 2019 a 2022, segundo o governo Lula, 95% dos pedidos de reparação analisados pela Comissão de Anistia foram negados.
Durante a abertura dos trabalhos, o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, fez um discurso sobre o impacto da ditadura na manutenção das desigualdades no país.
"Não nos esquecemos que as violações dos direitos não dizem respeito apenas aos direitos civis e políticos, mas interromperam um processo de redução de desigualdade. Quantos brasileiros poderiam ter sidos salvos do abandono se não fosse a ditadura com política excludente. Desigualdade, violência de estado, racismo, machismo, transfobia, são indissociáveis com a forma que o Brasil foi construído. Essa história precisa ser recontada, para que não se repita. Por isso bradamos ao lado dos movimentos, ditadura nunca mais, nunca mais", disse.
Com novo regimento, a comissão prevê a possibilidade de recursos e anistia também para coletivos. Além disso, as sessões, que até então eram fechadas, passam a ser abertas e com transmissão pela internet.
Ainda pela primeira vez, a comissão tem entre os integrantes pessoas negras e indígenas. Outra inovação é que o representante do Ministério da Defesa não é militar.
A possibilidade de julgamento coletivo permite anistia para movimentos sociais, povos quilombolas, indígenas, coletivos LGBTQIA+ e outros grupos, mas não prevê reparação econômica. A comissão, no entanto, pode determinar a tomada de providências por outros órgãos.
Os novos integrantes da colegiados foram nomeados em janeiro e fevereiro e, desde então, trabalham na elaboração do regimento e análise de casos. A atividade dos participantes da comissão não é remunerada.
Outra atividade da comissão é assessorar o ministro Silvio Almeida em decisões. Segundo o ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, as novidades no colegiado representam o "simbolismo da mudança de paradigma".
Já a presidente da comissão, a professora da Universidade de Brasília (UnB) Eneá Almeida, afirma que a reanálise de casos negados anteriormente permitirá avançar em defesa da democracia.
"Nos casos dos julgamentos, houve revitimização dos requerentes. Eles foram, de novo e sistematicamente, culpados pela perseguição sofrida", disse.
Casos reavaliados
Veja os pedidos que devem ser reanalisados pela Comissão de Anistia nesta quinta:
Cláudia Arruda Campos
Integrante do grupo Ação Popular, foi perseguida e presa pela ditadura militar. No julgamento realizado durante o governo Bolsonaro, foi considerado que "apesar de existirem provas de monitoramento do requerente, não foi possível identificar nos autos qualquer ação do Estado em desfavor do Requerente que pudesse ensejar os direitos atinentes à anistia política".
Na época, o voto do conselheiro General Rocha Paiva foi acompanhado por outros integrantes da comissão.
Ivan Valente
Militante contra a ditadura, foi perseguido, preso e torturado pela ditadura militar. No período, perdeu o emprego e enfrentou dificuldades para acessar o diploma de engenharia. Em 2022, a comissão avaliou que o atual deputado federal integrava uma organização criminosa e indeferiu o pedido de reparação.
José Pedro da Silva
Hoje com 80 anos, foi militante e integrou a Frente Nacional de Trabalho e o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, na década de 1970. Foi preso no local de trabalho e, por isso, acabou demitido e teve dificuldades para conseguir um novo emprego.
Em 2018, durante o governo Temer, a comissão de anistia concedeu indenização de R$ 2 mil por mês. Porém, a decisão foi cancelada pelo Ministério da Justiça, por meio de uma portaria, com a alegação de que não houve relação entre a militância política e a demissão no trabalho.
Romario Cezar Schettino
Teve a anistia concedida em 2018, contudo, nunca recebeu a indenização. O valor da reparação será revisto.
Troca de nomes
A comissão de Anistia foi criada em 2002, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com o objetivo de oferecer reparação a vítimas ou familiares de vítimas de perseguição durante a ditadura militar (1964-1985).
O grupo é composto por 14 indicados pelo governo. Os nomes dos escolhidos pela gestão Lula foram publicados em janeiro deste ano. Para isso, foram revogados indicados pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, o objetivo era "reverter a interferência política propagada desde 2019 no sentido de paralisar os trabalhos do grupo por meio da omissão do Estado brasileiro".
Fonte: G1
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