O Aedes Albopictus foi detectado inicialmente em Nice, em 2004
Porto Velho, RO - A proliferação na França do mosquito-tigre-asiático, vetor de transmissão de doenças como dengue, zika e chikungunya, tem provocado o uso de fumacês em várias cidades, incluindo Paris, que realizou pela primeira vez recentemente uma operação desse tipo.
Autoridades de saúde levam em conta o aumento do risco sanitário no país, sobretudo no próximo ano, em razão do Jogos Olímpicos, que deverão atrair milhões de pessoas do mundo todo.
Os fumacês foram usados no 13° distrito de Paris, em uma área próxima à Praça da Itália, e em Colombes, cidade de 90 mil habitantes a apenas 9 km de Paris, onde duas operações de pulverização de inseticida foram realizadas em menos de duas semanas.
Tanto em Paris como em Colombes, os fumacês ocorreram após a notificação de casos de pessoas que contraíram dengue durante viagens ao exterior e se hospedaram ou residem nas áreas visadas.
A Agência Regional de Saúde da Ile-de-France, que engloba Paris e seus subúrbios, informa já ter registrado 138 casos de dengue neste ano, todos referentes a pessoas que contraíram a doença em viagens ao exterior.
Segundo o Ministério da Saúde da França, desde o início de maio já foram contabilizados em todo o país 557 casos de dengue, 12 casos de chikungunya e 6 casos de zika.
Durante as operações com o fumacê, ruas foram fechadas e a população foi solicitada a permanecer em suas casas e a deixar as janelas fechadas, apesar do forte calor no período.
Em Colombes, onde há muitas casas com jardins, as autoridades também pediram para que as pessoas mantivessem os animais domésticos presos e não consumissem legumes de hortas residenciais durante três dias após a pulverização do inseticida.
As operações foram realizadas para reduzir o risco de transmissão da dengue, afirmou a autoridade de saúde de Paris e sua periferia, a Agência Regional de Saúde (ARS) da Ile-de-France, em um comunicado.
Segundo o órgão, o fumacê foi acionado em um raio de 150 metros ao redor das residências de pessoas que contraíram dengue ao viajar ao exterior, “porque o mosquito-tigre não voa além dessa distância”.
Fumacê tem sido lançado por agentes a pé ou em veículos
Ao picar uma pessoa que contraiu dengue, zika ou chikungunya, o mosquito-tigre transmite a doença ao morder novas pessoas. O vírus utiliza esse inseto como vetor.
Os agentes envolvidos utilizaram equipamentos de proteção e pulverizaram, a pé ou em veículos, espaços verdes e outras áreas de reprodução do mosquito.
A Agência Regional de Saúde da Ile-de-France já realizou pelo menos nove fumacês neste ano, sendo apenas um deles, até o momento, na capital francesa.
Em Colombes, nos arredores da capital, onde dois fumacês foram realizados recentemente, na madrugada de 1° de setembro e dia 7, as autoridades já lidam há alguns anos com o problema do mosquito-tigre, mas constataram uma presença maior do inseto neste verão.
“Há cada vez mais mosquitos. Moradores relatam que seus jardins estão cheios desse inseto. Isso levanta questões de saúde pública”, disse à BBC News Brasil Stéphane Tchouhan, diretor-adjunto do gabinete do prefeito da cidade.
A questão preocupa a tal ponto os moradores de Colombes que eles votaram, no orçamento participativo proposto pela prefeitura, pela instalação de um equipamento em parques e jardins da cidade com um produto inodoro que atrai os mosquitos-tigre e os mata. Até o momento, quatro já estão em funcionamento.
A prefeitura de Colombes vem realizando ações preventivas junto à população para eliminar pontos de água estagnada, como já ocorre há anos no Brasil.
Nas Olímpiadas de Paris no próximo ano, a cidade irá realizar as competições de hockey na grama e também terá os centros de treinamento para os atletas de nado sincronizado, tênis e boxe.”
"Colombes se prepara para receber milhares de visitantes do mundo todo e está monitorando com as autoridades sanitárias o problema do mosquito-tigre”, afirma Tchouan.
Em um dos casos de dengue em Colombes, a pessoa, que não reside na cidade, havia estado antes nas Antilhas francesas. A Martinica e a Guadalupe, territórios ultramarinos da França, registram desde meados de agosto uma epidemia da doença.
A chegada do mosquito-tigre à França
A presença do mosquito-tigre, o Aedes Albopictus, originário do sudeste da Ásia, é bem mais forte no sul da França. Ele foi detectado inicialmente em Nice, em 2004, na região próxima à fronteira com a Itália — país a partir do qual o inseto chegou à França, segundo explicou à BBC News Brasil o entomologista Didier Fontenille, pesquisador emérito do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento.
Progressivamente, ele foi avançando em direção ao norte da França e se propagando de maneira gradativa por quase todo país. Atualmente, três quartos do território francês (71 das 96 áreas administrativas chamadas de “departamentos”) foram colonizados pelo inseto, de acordo com dados do Ministério da Saúde francês.
“Em três ou quatro anos, todo o território francês terá a presença do mosquito-tigre”, prevê Fontenille.
Segundo ele, o mosquito-tigre sofreu uma evolução genética que o permitiu se adaptar a climas mais temperados e frios. Por isso, ele conseguiu se implantar em países da Europa.
'Em três ou quatro anos, todo o território francês terá a presença do mosquito-tigre', prevê o entomologista Didier Fontenille
“O ovo do mosquito-tigre pode permanecer vivo em condições difíceis por vários meses [devido a essa adaptação genética]”, afirma o entomologista.
Muitos apontam o aquecimento global como responsável pela propagação do mosquito-tigre. Fontenille diz que as mudanças climáticas têm um impacto, já que o calor permite que os insetos se desenvolvam mais rapidamente (os ovos que se transformam em larvas que passam à fase adulta) e talvez também em maior número, mas esse não é o único fator.
O principal elemento, segundo ele, é a evolução genética do mosquito-tigre, que o permitiu sair de climas tropicais da Ásia e se adaptar a regiões com invernos frios. O comércio e as viagens internacionais propiciaram sua propagação.
Para Fontenille, há um risco sanitário na França. No ano passado, houve 65 casos de dengue de pessoas infectadas localmente (ou seja, que não contraíram a doença durante uma viagem ao exterior).
“Ano após ano, esse número vai crescer porque haverá um aumento do número de mosquitos e de regiões onde ele estará presente, e também porque haverá um número maior de viajantes”, diz ele.
São os casos de contaminação local que favorecem os riscos de uma epidemia.
A Martinica e a Guadalupe, territórios ultramarinos da França, sofrem desde meados de agosto uma epidemia de dengue.
“Durante os Jogos Olímpicos, haverá muitos turistas do mundo inteiro. Isso fará aumentar o risco de contaminações”, alerta Fontenille, que é coautor de um estudo do Comitê de Monitoramento e de Antecipação dos Riscos Sanitários (Covars, na sigla em francês).
O Covars ressalta que a França não vive um cenário de catástrofe, mas os riscos devem ser levados em conta com a realização de campanhas de prevenção e uma melhor coordenação das autoridades sanitárias.
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