Jennifer Crumbley, de 45 anos, se tornou a primeira mãe americana condenada por homicídio culposo por causa de um ataque a tiros em massa cometido por seu filho
Porto Velho, RO - Um júri nos Estados Unidos, em uma decisão inédita, responsabilizou criminalmente nesta semana a mãe de um atirador em massa de 15 anos pela morte de quatro estudantes em uma escola do Ensino Médio. Sete pessoas ficaram feridas.
O veredicto pode ter grandes implicações no sistema jurídico americano.
Jennifer Crumbley, de 45 anos, se tornou a primeira mãe condenada nos EUA por homicídio culposo devido a um ataque a tiros em massa cometido por seu filho. Os promotores a acusaram de ser negligente ao permitir que seu filho tivesse uma arma e de ignorar os sinais de alerta de seu comportamento.
O pai do menino, James, enfrenta um julgamento separado pelas mesmas acusações. Ele se declarou inocente.
O filho deles, agora com 17 anos, cumpre pena de prisão perpétua por matar quatro colegas de classe na Oxford High School, no Estado de Michigan, em 30 de novembro de 2021.
Jennifer Crumbley não demonstrou nenhuma emoção no julgamento e olhou diretamente para baixo enquanto o veredicto foi lido no tribunal do condado de Oakland na terça-feira (6/2).
Ela foi acusada de quatro acusações de homicídio culposo, cada uma com sentença máxima de 15 anos.Os fatores que contribuem para ataques em escolas, segundo especialistas6 abril 2023
Os dados que mostram explosão no número de ataques a escolas no Brasil5 abril 2023
Ataques a escolas: ameaças e boatos diminuem, mas pais continuam com medo19 abril 2023
Memórias dolorosas
Quase todos os dias, Steve e Ai St Juliana usam o mesmo moletom, cada um decorado com uma flor no canto superior esquerdo.
As roupas dão um pouco de cor às suas vidas que, segundo os dois, tornaram-se "mais monótonas" desde a morte de sua simpática e atlética filha de 14 anos, Hana (que significa flor em japonês). As cinco pétalas da flor representam os membros da família, com o nome de Hana no centro da flor escrito em japonês.
Hana era a mais nova de quatro estudantes mortos na Oxford High School, no norte de Detroit, em 2021, quando Ethan Crumbley, de 15 anos, disparou contra os alunos.
Tate Myre, de 16 anos, e Madisyn Baldwin e Justin Shilling, ambos de 17, também morreram no ataque. Outras sete pessoas, incluindo um professor, ficaram feridas.
O ataque a tiros na escola, o pior da história do Estado de Michigan, abalou Oxford Township, um subúrbio de 22 mil habitantes ao norte de Detroit.
"Ela estava sempre rindo, sempre fazendo as pessoas rirem", disse o pai de Hana, Steve St Juliana, à BBC na casa de sua família em Ortonville.
"Cada dia sem ela é realmente uma batalha. Ela era o coração e a alma da família."
Os St Julianas fizeram campanha por controle de armas e pela responsabilização dos funcionários da escola depois de perderem sua filha, Hana, no ataque a tiros na escola do Ensino Médio de Oxford
Em dezembro, mais de dois anos após o ataque, um juiz condenou Crumbley à prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional — a sentença máxima possível.
Jennifer Crumbley foi considerada culpada de homicídio involuntário na terça-feira desta semana (6/2), marcando a primeira vez que um pai ou mãe foram condenados pelo papel de seu filho em um ataque a tiros em massa.
O caso levantou questões sobre quem mais pode ser responsabilizado por um ataque em massa quando uma criança dispara uma arma. Foram os pais de Crumbley que lhe deram a arma que ele usou poucos dias antes do ataque, e eles também tentaram fugir após serem acusados de homicídio culposo.
O pai do menino, James Crumbley, enfrentará um julgamento separado pelas mesmas acusações em março. A acusação de homicídio culposo é punível com até 15 anos de prisão.
A escola também enfrenta críticas de que poderia ter evitado a tragédia.
Passado conturbado
Antes do ataque a tiros em Oxford, a amiga da família Crumbley, Kayla LeMieux, nunca prestou muita atenção em Ethan. Ela o conhecia desde que ele era um menino de 9 anos que morava do outro lado da rua da sua casa, nas proximidades de Lake Orion, no Estado de Michigan.
LeMieux trabalhou com a mãe de Ethan, Jennifer, em um restaurante em 2015, e ficou próxima da família Crumbley depois que eles se mudaram para um apartamento próximo no Lago Orion antes de se estabelecerem em Oxford.
Ela disse que o casal Crumbley frequentemente deixava Ethan sozinho em casa quando ele tinha 9 anos, durante horas, enquanto eles iam beber na cidade.
Durante esse período, Ethan às vezes ia até a casa dela, onde suas interações eram perturbadoras, segundo LeMieux.
"Ele era muito monótono, muito distante, manipulador. Ele mentia muito", disse LeMieux.
Ela se lembra de uma vez em que o viu tirar um ninho de pássaro de uma árvore e pisar nele. Esse comportamento chamou a atenção de LeMieux e seu namorado.
"Nós dissemos: 'Um dia, ele ainda vai matar alguém'", disse ela.
No tribunal, os advogados de Ethan Crumbley pintaram um quadro semelhante da infância do menino, com testemunho de um especialista em Psicologia que disse que ele era uma "criança selvagem" que foi negligenciada pelos pais e sofria de doenças mentais.
No caso contra seus pais, os promotores também argumentaram que os Crumbleys estavam às vezes mais focados em seus casos extraconjugais e em passar tempo com seus cavalos do que em cuidar do declínio da saúde mental de seu filho.
LeMieux disse que a forma como o casal Crumbley lidava com o filho eventualmente a levou a ligar para os Serviços de Proteção à Criança.
"Ethan foi tão negligenciado. Ele era apenas um bebê. Eu estava preocupada com ele. Essa não é uma maneira de uma criança crescer", disse ela.
Steve e Ai St Juliana perderam sua filha Hana, de 14 anos, que, segundo eles, era gentil e sempre cuidava dos outros
O caso contra os Crumbleys
A lei dos EUA é geralmente concebida apenas para responsabilizar os indivíduos pelas suas próprias ações, afirmam especialistas jurídicos.
Ainda assim, vários elementos do caso Crumbley possibilitaram que a promotora do condado de Oakland, Karen McDonald, apresentasse acusações contra os pais.
A família comprou para Ethan a arma que ele usou poucos dias antes do tiroteio como presente de Natal antecipado e não conseguiu protegê-la adequadamente, alegam os promotores.
Os pais também se recusaram a levá-lo da escola para casa no dia do ataque, como sugeriram os funcionários da escola, depois de encontrarem os desenhos de uma arma e figuras ensanguentadas feitas por Ethan.
Caitlin Cavanagh, professora da Escola de Justiça Criminal do Estado de Michigan, disse que a cultura popular retrata os pais como os principais responsáveis pela delinquência infantil, mas ela disse que uma série de fatores pode levar alguém a crescer e se tornar violento.
"Geralmente não é apropriado sugerir que os pais assumam total responsabilidade pelos crimes dos seus filhos", disse ela. "Mas cada caso é diferente e certamente compreender o contexto familiar de uma criança pode nos ajudar a compreender as suas ações".
Mas embora os Crumbley sejam os primeiros a enfrentar acusações de homicídio culposo pelo ataque em massa cometido pelo seu filho, os procuradores tentam cada vez mais responsabilizar terceiros por homicídios.
Em novembro, o pai de um homem acusado de matar sete pessoas em um desfile de 4 de julho em Highland Park, no Estado do Illinois, admitiu ser culpado de conduta imprudente por ajudar o seu filho adulto a obter a arma utilizada no ataque.
No mesmo mês, a mãe de um menino de 6 anos que atirou na professora foi condenada a 21 meses de prisão na Virgínia, depois de se declarar culpada de negligência infantil.
A família St Juliana disse estar aliviada por os promotores estarem tentando responsabilizar os pais de Crumbley por sua negligência "terrível".
"Eles precisam virar um exemplo", disse Steve St Juliana. "Mas nada do que for feito contra eles trará nossa filha de volta."
Os Crumbleys moravam em uma modesta casa de dois quartos no centro de Oxford
Comunidade em choque
Embora os pais de Ethan Crumbley tenham enfrentado o escrutínio cada vez maior dos tribunais, muitos também atribuíram a culpa ao distrito e escolas públicas de Oxford.
Em novembro, um grupo de cerca de 30 estudantes da Oxford High School fez um protesto para exigir a demissão de vários funcionários do conselho escolar.
Eles também pediram mais serviços para lidar com trauma na escola e um memorial para homenagear as vítimas.
Um mês antes, uma empresa independente, Guidepost Solutions, divulgou o seu relatório final sobre a resposta da escola ao ataque a tiros. A investigação alegou múltiplas falhas por parte dos funcionários da escola, que não verificaram se havia armas na mochila de Crumbley depois que os professores descobriram seus desenhos violentos e perturbadores. Poucas horas depois desse incidente, ele voltou à sala de aula e abriu fogo contra os alunos.
Também se descobriu que o conselho escolar desencorajou os funcionários de cooperar com os investigadores.
"O relatório é muito contundente. Deixa muito claro que, do início ao fim, [a escola] cometeu erros repetidas vezes", disse St Juliana.
"Eles fizeram tudo ao seu alcance para evitar assumir qualquer responsabilidade."
O distrito de Oxford Community Schools não respondeu a um pedido de comentário da BBC.
St Juliana e outros pais das pessoas mortas e feridas no ataque a tiros entraram com ações judiciais contra o distrito.
Em março, um juiz do condado de Oakland rejeitou vários processos civis contra a escola, decidindo que o distrito e seus funcionários tinham imunidade governamental e escrevendo que o próprio Crumbley era "a causa mais imediata, eficiente e direta da lesão ou dano".
Mesmo assim, os St Juliana têm trabalhado para garantir que a memória da sua filha e das outras vítimas não seja esquecida, arrecadando dinheiro para um jardim memorial em um parque local. St Juliana disse que quer plantar quatro cerejeiras para homenagear a vida de cada um.
"É um lembrete para a comunidade não esquecer e não baixar a guarda", disse ele.
Fonte: BBC News Brasil
0 Comentários