Keltony Aquino, pesquisador da Universidade Federal Fluminense e do Instituto Serrapilheira, aponta que a proposta pode dificultar a fiscalização contra crimes ambientais
Porto Velho, RO - A ‘PEC das Praias‘, atualmente em tramitação no Senado, prevê a transferência de terrenos da União em áreas da costa brasileira, é vista com preocupação por ambientalistas, ecologistas e biólogos.
O debate ganhou força nas últimas semanas, especialmente após declarações do relator da PEC no Senado, Flávio Bolsonaro (PL-RJ). O tema chegou às redes sociais, com um embate entre a atriz Luana Piovani e o jogador Neymar, que, parceiro na construção de um empreendimento imobiliário bilionário no litoral nordestino, foi acusado por ela de ser entusiasta da proposta.
A proposta, contudo, é antiga. Chegou a ser apresentada em 2011 na Câmara, mas só foi receber um parecer favorável na CCJ da Casa quase quatro anos depois. O tema recebia pouca atenção, tanto que a proposta chegou a ser arquivada.
Entre idas vindas, e engavetamentos, a PEC foi aprovada no plenário da Câmara em fevereiro de 2022. Agora, volta aos holofotes no Senado.
O tema ganha especial importância nos tempos de hoje por um motivo cujas consequências vêm se revelando cada vez mais diretas: os eventos climáticos decorrentes da crise ambiental.
Se aprovada nos termos em que está o texto original, a PEC poderá dificultar o acesso à fiscalização contra infrações ambientais em áreas costeiras. A opinião é Keltony Aquino, pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF) apoiado pelo Instituto Serrapilheira.
Em conversa com CartaCapital, Aquino diz que, apesar da PEC não propor ipsis litteris a privatização das praias brasileiras, ela não deixa claro como seria feita a transferência de responsabilidade dos terrenos para proprietários privados.
“Ao transferir [as margens litorâneas] para o mercado imobiliário, a PEC poderá fazer com que o acesso à praia possa ser impedido”, explica. “Mesmo hoje, já há exemplos disso.”
Especialista em ecossistemas costeiros, Aquino explica como a PEC pode agravar problemas já existentes.
“Hoje, no Brasil, há 8.400 quilômetros de costa e, atualmente, o Ministério Público não consegue monitorar todas as áreas afetadas. São áreas, por exemplo, que sofrem algum impacto de perda de manguezal, ou perda de faixa de costa decorrente de áreas erosivas. A especulação imobiliária em cima disso pode impedir o acesso à própria fiscalização”, aponta.
Para o pesquisador, a transferência de terrenos traria o risco de ampliar a construção – proibida por lei – de construção em áreas sensíveis, em razão do risco de degradação ambiental.
“Uma vez que o terreno esteja sob propriedade de uma construtora, por exemplo, ela tem aval para construir e utilizar a área. Ela pode retirar indevidamente restinga, levando ao assoreamento de rios, em áreas próximas de rios”, reconhece.
Essas regiões são importantes para vários animais: crustáceos, aves e e peixes que usam essas regiões. Além disso, elas são proteções naturais que temos contra eventos climáticos extremos.”
Fonte: Carta Capital
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