“Não cabe aos bilionários decidir quanto pagar de imposto”, diz autor de proposta de taxação

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“Não cabe aos bilionários decidir quanto pagar de imposto”, diz autor de proposta de taxação

Segundo ele, o G20, a ONU e entidades da sociedade civil global é que devem decidir, de forma democrática, como taxar de forma mais efetiva as cerca de três mil pessoas que têm mais de US$ 1 bilhão

Porto Velho, RO - Em entrevista exclusiva para a CNN Brasil, o economista Gabriel Zucman diz que é preciso “um forte compromisso” do G20 para implementar o imposto sobre os super-ricos e que ideia pode vingar mesmo sem apoio dos EUA.

Américo Martins

O economista francês Gabriel Zucman, autor da proposta apresentada ao G20 para taxar os chamados super-ricos, disse à CNN Brasil que “não cabe aos bilionários decidir quanto pagar de imposto”.

Segundo ele, o G20, a ONU e entidades da sociedade civil global é que devem decidir, de forma democrática, como taxar de forma mais efetiva as cerca de três mil pessoas que têm mais de US$ 1 bilhão.

“Não cabe aos bilionários decidir quanto de imposto os bilionários devem pagar. Cabe ao povo decidir, por meio de deliberações democráticas e votação. E eu não sou ingênuo. Muitos bilionários não vão gostar dessa ideia da taxação sobre eles porque é muito eficaz colocar um piso mínimo para o pagamento de seus impostos”, disse ele.

A entrevista exclusiva para a CNN Brasil foi a primeira concedida por Zucman desde que os ministros das finanças de todos os países do G20 aprovaram uma declaração, no final de julho, na qual afirmam que estão empenhados em taxar os bilionários globais.

A proposta vem sendo defendida pelo governo brasileiro, que preside o G20 este ano.

O ministro Fernando Haddad encomendou a proposta neste sentido a Zucman, um dos maiores especialistas do mundo em desigualdade e evasão fiscal. Ele é professor de política pública e economia na Universidade da Califórnia e na Escola de Economia de Paris

O economista propôs a criação de um imposto anual de 2% sobre a riqueza de todos os bilionários globais, o que poderia gerar cerca de US$ 250 bilhões em novas receitas para os governos investirem em saúde, educação e infraestrutura.

Zucman disse que o apoio do G20 à sua proposta é apenas “o início de um processo” e que muito mais precisa ser feito.

“Precisamos de mais do que isso. Precisamos de um forte compromisso para ter um imposto mínimo sobre os super-ricos. Ainda não chegamos lá, mas o fato de que agora há um entendimento compartilhado do problema e o compromisso de resolvê-lo já é um passo muito importante na direção certa”, disse ele.

O economista disse ainda que a proposta pode ser implementada mesmo que não haja unanimidade entre os países do G20 ou que países muito ricos, como os Estados Unidos, se oponham à ideia.

“O que é preciso é apenas uma massa crítica de países” para fazer o imposto funcionar.

Leia abaixo a íntegra da entrevista com Zucman:

CNN – Todos os ministros das Fazenda do G20 aprovaram, em princípio, a ideia de criar um imposto sobre os chamados super-ricos. Qual é a real importância de uma decisão como essa no G20?

Gabriel Zucman – Bem, é o começo de um processo. A questão da tributação dos super-ricos nunca havia sido discutida no G20 antes. O G20 existe desde 1999 e nunca antes essa questão, que é uma das questões mais urgentes do nosso tempo, foi colocada na agenda. Então é realmente graças à liderança do ministro Fernando Haddad que fomos capazes de progredir em apenas alguns meses e chegamos àquela declaração onde todos os ministros das Finanças do G20 concordaram em alguns aspectos.

Número um, eles reconhecem que há um problema com a maneira como tributamos os super-ricos. Globalmente, no momento, isso simplesmente não está funcionando. E número dois, eles reconhecem que existe um valor em trabalhar juntos, cooperativamente, para resolver esse problema.

Mas, veja, precisamos de mais do que isso. Precisamos de um forte compromisso para ter um imposto mínimo sobre os super-ricos. Ainda não chegamos lá, mas o fato de que agora há um entendimento compartilhado do problema e o compromisso de resolvê-lo já é um passo muito importante na direção certa.

CNN – Os ministros concordaram em princípio, mas ainda faltam muitos detalhes. Os Estados Unidos, por exemplo, parecem muito relutantes em dar apoio total ao imposto. Houve muitas discussões sobre isso com Janet Yellen (a secretária do Tesouro dos Estados Unidos), por exemplo, falando que talvez os americanos não concordassem com esse imposto… Então, como os governos poderiam criar de fato esse imposto apenas de maneira eficaz?

Zucman – Acho interessante olhar para o que aconteceu há alguns anos com empresas multinacionais. Em 2015, o G20 deu um mandato, um mandato político, para implementar melhorias na tributação das empresas multinacionais. Eles concordaram que (a tributação) não estava funcionando e que deveríamos progredir.

Os integrantes do G20, então, deram início a um processo que eventualmente levou, em 2021, a um acordo entre mais de 130 países para criar um imposto mínimo de 15% sobre empresas multinacionais.

Então eu acho que estamos agora no início desse processo para os super-ricos. Como fazemos isso acontecer na prática? Você não precisa de unanimidade. Você não precisa que todos os países participem. Você só precisa de uma massa crítica de países.

Poderia ser uma coalizão de países como Brasil, África do Sul, França, Reino Unido ou Canadá, por exemplo, unindo forças e dizendo: número um, vamos taxar nossos bilionários e, número dois, se os bilionários no exterior que não pagam o suficiente mas criam sua riqueza por ter acesso a todos os mercados e estão presentes em nossos países, então também vamos taxar esses bilionários que hoje são sub tributados.

É assim que fundamentalmente você pode progredir. Mesmo que você não tenha um consenso global.

CNN – Mas você não corre o risco de ter um tipo de competição entre os países? Por exemplo, se os EUA decidirem não se juntar à proposta do imposto, sendo a maior economia do mundo e provavelmente o país com mais bilionários do mundo, então todos os outros bilionários, de todos os outros países, poderão mudar para os EUA, onde poderiam facilmente deixar de pagar esse imposto. Então, não teríamos uma competição entre os países?

Zucman – É por isso que é tão importante ter coordenação internacional, precisamente para evitar o risco de competição internacional, competição tributária, o que é muito negativo. Então a ideia é ter todos os países a bordo. Mas, realisticamente, isso não vai acontecer no curtíssimo prazo.

Então, OK, imagine que os EUA não aderiram a tal acordo… O que outros países poderiam dizer é: olhe, a riqueza dos bilionários, pense em Jeff Bezos ou Elon Musk e assim por diante, a riqueza deles vem de possuir ações em empresas multinacionais como a Amazon ou a Tesla.

E essas empresas multinacionais estão presentes em todos os lugares. Eles têm clientes no Brasil. Eles têm ativos no Brasil. Eles podem lucrar, eles fazem receita em todo o mundo e é isso que gera a riqueza de Bezos e Musk.

Então, países como o Brasil ou outros países poderiam dizer, olhe, já que sua riqueza deriva de ter acesso ao nosso mercado, nós iremos tributar você se você for sub tributado nos EUA.

É exatamente assim que funciona com o imposto mínimo sobre empresas multinacionais. Os EUA na verdade não o implementam. Eles não conseguiram ratificar no Congresso e ainda assim está acontecendo… Outros países estão tributando as multinacionais americanas, para garantir que elas também paguem pelo menos 15% de seus lucros em impostos.

CNN – Ainda sobre os EUA… Obviamente, teremos uma eleição muito importante em novembro, pouco antes da cúpula do G20, quando se espera que os países do grupo formalizem o apoio ao imposto sobre os super-ricos. Como resultado da eleição, podemos ter Donald Trump de volta à Casa Branca e provavelmente ele será muito contra esse imposto. Qual seria o peso de um presidente dos EUA não apenas não implementar o acordo como ser completamente contra isso?

Zucman – Como eu disse, os EUA não implementam o imposto mínimo sobre empresas multinacionais e ainda assim ele existe. Para ser bem claro, seria melhor se os EUA aderissem ao imposto mínimo sobre os bilionários. Mas também não é necessário.

Segunda coisa, Trump pode vencer, mas Kamala Harris também pode vencer as eleições. E ela também pode tentar avançar essa questão no cenário internacional. Por quê? Porque os EUA colocaram no orçamento do presidente Joe Biden um imposto de renda mínimo para bilionários, que é muito próximo em espírito ao que está sendo discutido no G20.

A atual administração dos EUA e parte da possível futura administração dos EUA são muito favoráveis ​​à ideia de garantir que os super-ricos paguem sua parte justa em impostos. Veremos como a eleição se desenrola, mas acho que há uma chance de que os EUA possam realmente se tornar um líder no avanço dessa agenda.

CNN – O G20 é obviamente muito importante para esta questão, mas houve um debate entre os ministros do grupo sobre como eles devem prosseguir depois que aprovarem a proposta em novembro. Os EUA, por exemplo, dizem que a OCDE seria um fórum melhor para ajudar a implementar isso. Outros países, como o Brasil, afirmam que a discussão deveria ser na ONU. Faz diferença a discussão acontecer na OCDE ou na ONU? E o que seria melhor?

Zucman – Eu acho que é realmente importante ter uma discussão internacional verdadeiramente inclusiva, onde todos os países sejam representados e, em particular, onde os interesses do Sul Global, dos bilhões de habitantes do Sul Global, sejam representados. A OCDE fez um ótimo trabalho no passado. Mas pela sua própria natureza, a organização representa apenas 38 países de alta renda. Não representa a maior parte da população mundial.

Então é perfeitamente legítimo dizer que a conversa deve ser no futuro em algum lugar diferente do que aconteceu no passado. Deve ser mais inclusivo. Você não precisa de apenas uma organização. Você pode discutir e envolver a sociedade civil, por exemplo. O importante é que no final do dia as regras que serão decididas realmente reflitam uma discussão global.

CNN – Há um número de bilionários em partes do mundo que realmente defendem que eles devem pagar mais impostos. Qual a importância da posição deles?

Zucman – Não cabe aos bilionários decidir quanto de imposto os bilionários devem pagar. Cabe ao povo decidir, por meio de deliberações democráticas e votação. E eu não sou ingênuo. Muitos bilionários não vão gostar dessa ideia da taxação sobre eles porque é muito eficaz colocar um piso mínimo para o pagamento de seus impostos. Eles devem pagar pelo menos o equivalente a 2% de sua riqueza total. É muito difícil manipular esse tipo de imposto.

A maioria dos bilionários simplesmente não gosta da ideia e quer proteger seus interesses e seus privilégios. Eles têm um grande privilégio hoje, que é pagar muito menos impostos em proporção à capacidade de pagar do que todas as outras pessoas. Então, eles vão lutar e vai ser uma batalha. Mas estou otimista fundamentalmente porque há uma demanda popular esmagadora em todo o Brasil, nos EUA, na França, na Índia, e em todo o mundo para consertar essa injustiça fiscal para garantir que os bilionários não paguem menos impostos do que suas secretárias, ou professores e bombeiros.

CNN – Hoje em dia temos a tecnologia para realmente implementar propostas como essa e fechar as lacunas fiscais que os bilionários podem usar para seus próprios benefícios. Como podemos realmente aplicar melhor essa tecnologia para tornar isso uma realidade?

Zucman – Absolutamente, esse ponto é muito importante. Veja, cerca de metade da riqueza dos bilionários globais é mantida em ações de empresas listadas publicamente nas bolsas de valores. Para elas, você tem valores de mercado prontamente disponíveis. Você sabe quem são os donos dessas empresas, então não há evasão fiscal possível aqui.

Mas a maior parte do restante da riqueza dos bilionários são participações em grandes empresas privadas. Mas mesmo assim, como essas são grandes empresas, elas podem ser avaliadas facilmente em comparação com empresas semelhantes. Sabemos como fazer isso. Milhares de analistas financeiros fazem isso o tempo todo: avaliam o valor de grandes empresas privadas. Este é um ponto.

O segundo ponto é que houve um progresso importante nos últimos dez anos de troca internacional de informações. Isso é realmente crítico para fazer esse tipo de imposto funcionar.

Há uma troca internacional de informações bancárias, tornando muito mais difícil para as pessoas esconderem ativos em lugares com leis de sigilo bancário tradicionalmente muito rígidas. Há também uma troca internacional de informações sobre empresas multinacionais. E porque as empresas multinacionais realmente são as fontes principais de riqueza para os super-ricos, seria muito fácil garantir que todos os países conheçam as fortunas da maioria dos bilionários globais, incluindo as pessoas que vivem fora de seu país.

CNN – Quão importante foi a liderança do Brasil em toda essa discussão no G20?

Zucman – Foi absolutamente essencial. Eu realmente quero elogiar o trabalho do governo brasileiro e do ministro Haddad, em particular, porque o Brasil colocou a questão na agenda e colocou a proposta de taxar bilionários no mapa. Isso nunca havia sido discutido antes no G20 ou no G7.

O G7 foi criado em 1975. O G20 foi criado em 1999, e eles se reúnem o tempo todo, os ministros das finanças desses países. E nunca antes eles falaram sobre essas questões. Essas são algumas das questões mais urgentes, algumas das mais importantes do nosso tempo. Como garantir que os principais beneficiários da globalização, os bilionários, paguem sua parcela justa de impostos? Como lidar com a desigualdade extrema? Como lidar com a crescente concentração de riqueza?

São algumas das questões sociais e econômicas mais importantes do mundo, mas que nunca tinham sido discutidas no G20. Agora, graças ao Brasil, a conversa começou e não há como voltar atrás. Uma vez que é um tópico de discussão e tem sido essencialmente um dos tópicos mais importantes, se não o mais importante até aqui. Vai forçá-los a progredir. Espero que em breve.

CNN – Professor, muitos economistas argumentam que mais impostos levarão a um menor crescimento e à redução de investimentos. Como você responde a essa avaliação?

Zucman – Veja, quando você olha para a história, percebe que a chave para o crescimento da economia tem sido o investimento público em massa em educação para todos, em educação de alta qualidade para todos, investimento público em saúde e investimento público em infraestrutura. Isso torna os negócios produtivos. Para tudo isso você precisa de receitas para os governos.

Com o dinheiro que poderia ser coletado de bilionários, pessoas super-ricas que são massivamente sub tributadas, você poderia gerar globalmente entre US$ 200 e 250 bilhões em receitas tributárias adicionais. Esse dinheiro poderia ser investido nessas áreas de educação, infraestrutura e saúde, que levarão ao crescimento econômico. E, no futuro, ajudar na luta contra as mudanças climáticas.

Estamos falando de uma população minúscula de 3.000 indivíduos, que são os bilionários. Eles não estão impulsionando o crescimento global. O planeta tem 7 bilhões de pessoas e estamos falando sobre tributar 3.000 indivíduos. Estamos falando sobre tributá-los na medida em que eles pagam muito pouco hoje.

Estamos falando sobre um imposto mínimo. Se eles pagassem muito, não teriam imposto extra para pagar. Tributar apenas esses 3.000 indivíduos sub tributados poderia fazer um progresso dramático e ajudar milhões de pessoas, dezenas de milhões de pessoas que poderiam ter uma educação melhor, um melhor atendimento de saúde e usar uma infraestrutura melhor. Isso vai realmente impulsionar o crescimento econômico.

CNN – Quero perguntar a você sobre outro desenvolvimento que aconteceu como parte do G20. Esse foi o acordo, também apoiado por todos os ministros e todos os países, para lançar a Aliança Global Contra a Fome, outra iniciativa do Brasil. Como isso, junto com uma tributação de indivíduos super-ricos, poderia realmente ajudar a combater a desigualdade? Você realmente tem esperança de que esse tipo de movimento fará tanta diferença?

Zucman – Faz uma grande diferença falar sobre milhões de pessoas que estão sofrendo de fome hoje, e esse é um problema que pode ser resolvido. Estamos falando de centenas de bilhões em receitas fiscais que poderiam ser recebidas tributando os bilionários, uma população muito pequena. Sabemos como fazer isso na prática.

Então, veja, este é um grande progresso no curto prazo. Não resolverá todos os problemas do mundo, mas seria um progresso real para abordar algumas das questões urgentes do nosso tempo.

Fonte: CNN Brasil

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